Redação: Thais Santos Nascimento
Revisor: Juan David Gutiérrez-Marín
Nem chegamos ao final de 2024 e já temos muitas novidades envolvendo a descrição de novas espécies de serpentes em nossa herpetofauna. Vamos conhecer algumas delas?
Logo no início do ano, Sudré e colaboradores (2024) revisaram a complexa taxonomia da serpente Chironius bicarinatus. Após uma investigação detalhada, que incluiu estudos morfométricos, ecológicos e até mesmo análises moleculares, os pesquisadores descreveram uma nova espécie: Chironius dracomaris (Figura 1). Esta serpente é encontrada exclusivamente em uma área florestal da Caatinga cearense, onde sua população está isolada das demais espécies de Chironius. O epíteto dracomaris é uma homenagem a Francisco José do Nascimento, conhecido como "Dragão do Mar", líder portuário que se destacou na luta contra o tráfico de escravos, recusando-se a transportá-los nos navios entre as províncias.
Ainda no começo do ano, tivemos a descrição de Tantilla selmae (Figura 1). Após analisar mais de 200 espécimes, Azevedo e colaboradores (2024) identificaram padrões nas variações morfológicas e morfométricas de serpentes encontradas no Sul do Brasil. Tantilla selmae se destaca por ter um número reduzido de escamas ventrais e subcaudais, além de um "capuz" preto na cabeça, marcado por um pequeno círculo branco nas bochechas que a diferencia das demais espécies do gênero. Seu epíteto selmae, foi escolhido em homenagem à herpetóloga Selma Almeida-Santos, pesquisadora do Instituto Butantan.
Figura 1: Respectivamente, Chironius dracomaris e Tantilla selmae as primeiras serpentes descritas no início de 2024. Fonte: Chironius dracomaris: Thabata Cavalcante dos Santos, G1, 2024; Tantilla selmae: Weverton dos Santos Azevedo, Portal do Instituto Butantan, 2024. Editado por Thais Santos Nascimento.
Em abril tivemos o mês mais agitado com a descrição de quatro novas espécies de serpentes. O destaque inicial foi a descoberta de uma nova espécie de jibóia, a Boa atlantica (Figura 2), no qual após uma investigação que durou aproximadamente dois anos, os pesquisadores conseguiram comprovar diferenças moleculares e morfológicas entre as espécies e subespécies do gênero, levando à descrição da nova espécie (Gonzalez et al., 2024). Uma das principais diferenças entre a jiboia-comum (Boa constrictor) e a Boa atlantica é a coloração: enquanto a jiboia-comum tem manchas vermelho-sangue na cauda, a Boa atlântica apresenta manchas de tonalidade marrom ou vermelho-escuro. O epíteto atlantica faz referência à sua distribuição, predominantemente na Mata Atlântica brasileira.
Ainda em abril, três novas espécies de corais verdadeiras (gênero Micrurus) foram descritas: Micrurus anibal, Micrurus bonita e Micrurus janisrozei (Figura 2). A identificação dessas espécies foi possível graças a uma análise integrada, combinando dados morfológicos e moleculares do complexo de espécies Micrurus ibiboboca (Nascimento et al., 2024). As novas espécies possuem distribuição no Nordeste e Sudeste do Brasil, em áreas de Caatinga e Mata Atlântica. Os nomes anibal e janisrozei homenageiam os herpetólogos Anibal Rafael Malgarejo Gimenez e Janis Arnolds Roze, enquanto bonita é uma referência a Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, primeira mulher a integrar o cangaço.
Figura 2: Acima, da esquerda para direita: Micrurus bonita, Micrurus janisrozei e Micrurus anibal, as novas espécies do gênero Micrurus. E abaixo, a nova espécie Boa atlantica. Fontes: M. bonita: Marco Freitas; M. janisrozei: Willianilson Pessoa da Silva; M. anibal: Nelson Jorge da Silva Jr; Boa atlântica: Pedro Pina. G1, 2024. Editado por Thais Santos Nascimento.
Para fechar com chave de ouro o primeiro semestre de 2024, temos a descrição de uma nova espécie do gênero Lachesis (surucucú). Até recentemente, o gênero Lachesis contava com uma única espécie no Brasil, dividida em duas subespécies: Lachesis muta muta, distribuída na Amazônia, e Lachesis muta rombeatha, encontrada predominantemente na Mata Atlântica. Utilizando dados moleculares, morfológicos, ecológicos e até mesmo análises do veneno, pesquisadores conseguiram diferenciar as duas subespécies, elevando Lachesis muta rombeatha à categoria de espécie, agora denominada Lachesis rombeatha (Hamdan et al., 2024).
Figura 3: À esquerda Lachesis rombeatha e a direita Lachesis muta. Fontes: Rodrigo Leite e Paulo Bernarde, OECO, 2024.
Um ponto em comum entre todas essas descobertas é a importância das coleções científicas, que foram fundamentais no processo de descrição das novas espécies. A comparação de espécimes de diversas regiões do Brasil só é possível graças ao cuidado e à organização desses acervos ao longo dos anos. Não somente isso, mas a descrição de novas espécies não só revela a vasta biodiversidade das serpentes brasileiras, mas também destaca a importância das pesquisas para futuras descobertas, não apenas entre as serpentes, mas em toda a herpetofauna do país.
Referências
AZEVEDO, W.S.; FRANCO, F.L.; MENEZES, L.; KUNZ, T.S.; GRAZZIOTIN, F.G. Integrated evidence sheds light on the taxonomy of the widespread Tantilla melanocephala species complex (Serpentes: Colubridae) and indicates the existence of a new species from southern South America. Organisms Diversity & Evolution, vol. 24, n. 1, p. 119-147, 2024.
GONZALEZ, R.C.; BEZERRA DE LIMA, L.C.; PASSOS, P. SILVA, M.J.J. The good, the bad and the boa: An unexpected new species of true boa revealed by morphological and molecular evidence. PLoS One, vol. 19, n. 4, 2024.
HAMDAN, B.; BONATTO, S.L.; RODDER, D.; SEIXAS, V.C.; SANTOS, R.M.F.; SANTANA, D.J.; MACHADO, L.G.; KLEIZ-FERREIRA, J.M.; DE FREITAS, M.A.; GONZALEZ, R.C.; CALVACANTE, T.; SOUZA, M.B.; RÉGIS, C.B.; FERNANDES, D.S.; FERNANDES-FERREIRA, H.; ZINGALI, R.B. When a name changes everything: taxonomy and conservation of the atlantic bushmaster (Lachesis Daudin, 1803) (Serpentes: Viperidae: Crotalinae). Systematics and Biodiversity, vol. 22, n. 1, p. 1-28, 2024.
NASCIMENTO, L.R.S.; GRABOSKI, R.; SILVA JR, N.J.; PRUDENTE, A.L.C. Integrative taxonomy of Micrurus ibiboboca (Merrem, 1820) (Serpentes, Elapidae) reveals three new species of coral snake. Systematics and Biodiversity, vol. 22, n. 1, 2024.
SÚDRE, V.; ANDRADE-JUNIOR, A.; AZEVEDO, J.A.R.; ÁVILA, R.W.; CURCIO, F.F.; NUNES, P.M.S.; PASSOS, P. Revision of the Chironius bicarinatus complex (Serpentes: Colubridae): Redefined species boundaries and description of a new species. Vertebrate Zoology, vol. 74, n. 1, p. 85-120, 2024.
Muito interessante. Belas serpentes! 😍