Texto: Fernanda Pigossi
Revisão: Vinícius Mendes
Com certeza você conhece um personagem chamado Wolverine, certo? Wolverine é uma das estrelas da Marvel, e muitos de nós se lembram de sua personalidade forte dos filmes e quadrinhos dos X-men. Ele tem várias características surpreendentes, entre elas o superpoder da regeneração. Wolverine é capaz de regenerar rapidamente ferimentos e até mesmo membros inteiros.
Bom, na vida real não é bem assim que a coisa funciona.
Quando falamos em regeneração no mundo animal, a tendência é pensar imediatamente nas salamandras. O axolote Ambystoma mexicanum, por exemplo, é notável por sua capacidade de regenerar não apenas membros inteiros, mas também sua medula espinhal e partes do coração.
Figura 1: Animal da espécie Ambystoma mexicanum. Fonte: Jane Burton, Nature Picture Library, 2005.
Poderíamos citar também outros exemplos de regeneração um tanto quanto impressionantes, que vão bem além da nossa própria capacidade de regeneração celular, que nos permite curar ferimentos e reparar diversas “intercorrências” que acontecem no nosso corpo conforme vivemos. Mas, na grande maioria dos casos, esses exemplos incluem animais menores, como lagartos e iguanas. Por isso, uma pesquisa realizada na Universidade do Arizona surpreendeu a todos ao descobrir o maior animal já observado com uma capacidade tão acentuada de regeneração: o Jacaré-Norte-Americano (Alligator mississippiensis)! Embora alguns pesquisadores já desconfiassem que isso seria possível, o pesquisador Kusumi foi o primeiro a provar que de fato a cauda dessa espécie de jacaré é capaz de crescer novamente, pelo menos em animais jovens.
Algumas características desse crescimento ainda estão sendo esclarecidas. A análise das caudas dos jacarés jovens que participaram do estudo evidenciou que há muitas similaridades com a capacidade regenerativa da cauda dos lagartos, como a presença de estrutura cartilaginosa, coloração diferente da original e o padrão das escamas. Entretanto, por mais atípico que pareça, não houve a formação de tecido muscular esquelético - o que é uma surpresa, já que é um tecido muito útil para contração e relaxamento, e tanto os lagartos quanto os mamíferos são capazes de regenerar músculo esquelético.
Kusumi acredita que, se os animais jovens dessa espécie de jacaré têm essa capacidade, muito provavelmente ela está presente também nos adultos e em outras espécies próximnas, embora sejam necessários mais estudos para comprovar se isso de fato acontece.A descoberta abre espaço para vários outros questionamentos, inclusive com relação à evolução de vários outros grupos taxonômicos e do motivo pelo qual vários animais aparentemente perderam diversas de suas características regenerativas.
Figura 2: Indivíduo da espécie Alligator mississippiensis. Fonte: Organização BioDiversity4All, 2019.
Embora, como pudemos observar, o jacaré esteja ainda muito distante dos incríveis poderes de regeneração do popular Wolverine, um dos maiores pontos nessa história toda é que o Jacaré-Norte-Americano é um animal grande: um macho da espécie pode atingir impressionantes 4,6 metros e chegar a 230 quilos. Capacidades regenerativas tão impressionantes em um animal desse tamanho lançam uma luz na influência do tamanho e do peso de um animal em suas capacidades regenerativas. Isso é muito importante para a Medicina Regenerativa, já que até então não tínhamos muita certeza de que a regeneração seria possível em animais tão grandes quanto ou maiores do que os seres humanos.
Pesquisadores da Universidade Federal do Pará vêm se aprofundando no estudo dos genes presentes em animais pequenos dotados de excelentes capacidades regenerativas e se perguntando se a ativação desses genes em mamíferos seria possível, o que abriria novos precedentes para a Medicina Regenerativa… Mas isso é assunto para outro artigo e, se eu fosse você, ficaria de olho nas próximas notícias do nosso site.
Por hora, Wolverine segue liderando o pódio da regeneração, mas o Jacaré-Norte-Americano é uma das provas de que o mundo real pode ser tão surpreendente quanto a ficção científica.
Referências
DARNET, Sylvain et al. Deep evolutionary origin of limb and fin regeneration. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 116, n. 30, p. 15106-15115, 2019.
XU, Cindy et al., Comparative Anatomy and Histology Reveal the American Alligator (Alligator mississippiensis) Exhibits Regenerative Capacity of the Tail. The FASEB Journal, 34: 1-1. https://doi.org/10.1096/fasebj.2020.34.s1.00441, 2020.
XU, Cindy et al., Anatomical and histological analyses reveal that tail repair is coupled with regrowth in wild-caught, juvenile American alligators (Alligator mississippiensis). Sci Rep 10, 20122 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-77052-8, 2020.
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