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Foto do escritorHerpeto Capixaba

DENTE INOCULADOR DE VENENO EM CECÍLIAS

Texto: Katarine N. Norbertino


As cecílias, também chamadas cobras-cegas, são anfíbios pertencentes à ordem Gymnophiona. Esses anfíbios são caracterizados por apresentarem um corpo alongado, cilíndrico, segmentação epitelial em anéis, olhos reduzidos, crânio compacto e, também, por não possuírem membros locomotores; tudo isso em adaptação ao hábito fossorial!

Imagem 1. Cecília-anelada (Siphonops annulatus) em repouso sobre o solo. Foto: Thiago Silva-Soares.


Nos anfíbios, o veneno, até então, sempre esteve restrito a produções cutâneas de toxinas tanto para manutenção da pele contra patógenos quanto para defesa passiva contra possíveis predadores. Havendo, nesse caso, uma gama de glândulas distribuídas no epitélio desses animais, que podem ser eventualmente evidentes a olho nu (a depender do tipo e quantidade das mesmas).


Descrita por Mikan, em 1822, a Siphonops annulatus (Imagem 1), popularmente conhecida como cecília-anelada, apresenta ocorrência registrada para a América Central e América do Sul. Trata-se de uma espécie ovípara na qual os jovens exercem dermatofagia, ou seja, se alimentam da pele da mãe, indicando, assim, um possível cuidado parental.


Em 1938, Sawaya já havia registrado a ocorrência de glândulas (tanto mucosas quanto granulosas) e orifícios granulares distribuídos por toda a superfície corporal de um exemplar. Já em 2018, Jared e colaboradores puderam identificar a ocorrência de uma quantia abundante de glândulas na região da cabeça, cujas extensões seguiam até pequenos orifícios localizados nos ossos das regiões frontal, lateral e superior do crânio.

Imagem 2. Registro de Siphonops annulatus adulto sobre a terra (a); dentição da maxila (b) e da mandíbula (c); secção do crânio indicando as glândulas associadas à região bucal (d); e corte da maxila evidenciando os ductos de passagem da peçonha desde as glândulas até os dentes (e). Fonte: MAILHO-FONTANA (2020).


No entanto, a grande novidade científica veio a calhar em 2020, quando ao avaliarem a morfologia da S. annulatus, Mailho-Fontana e colaboradores encontraram evidências morfológicas de um sistema de peçonha (Imagem 2), caracterizado pela associação de glândulas de veneno aos dentes superiores e inferiores desses animais (Imagem 3). Os autores também verificaram a origem embriológica de tais glândulas, qual se mostrou semelhante à origem embriológica nas serpentes, de maneira que os autores sugerem que essa estrutura já estivesse presente desde o surgimento das cecílias na história evolutiva.

Imagem 3. Corte histológico do crânio de Siphonops annulatus com boca aberta sinalizando os dentes (T1 e T2) associados às glândulas de veneno (simbolizadas em *);as setas indicam os ductos de veneno que vão até a base dos dentes, enquanto as setas incompletas indicam as cavidades nas quais os dentes são alojados quando a boca está fechada; as glândulas mucosas (M) são encontradas no tecido epitelial mais externo. Fonte: MAILHO-FONTANA (2020).


A presença de peçonhas nesses animais pode ser um item a mais sobre sua história natural. Uma vez que se alimentam abocanhando suas presas e as pressionando contra o solo, a inoculação de toxinas deve auxiliar na imobilização das mesmas.


O hábito fossorial desses animais dificulta o conhecimento acerca dos mesmos, por isso, embora essa descoberta de Mailho-Fontana e colaboradores (2020) pareça ser simples, é na verdade um ganho gigante para a herpetologia, que segue com lacunas do conhecimento científico sendo preenchidas! Incrível, não é mesmo?!


REFERÊNCIAS


BENEDITO, E. Biologia e Ecologia dos vertebrados. 1. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2018. 244 p.


FROST, D. R. Amphibian Species of the World: an Online Reference. Version 6.0 (08, mai. de 2022). American Museum of Natural History, New York, USA, 2021. Disponível em: http://research.amnh.org/herpetology/amphibia/index.html. Acesso em: 08 mai. 2022.


JARED, C. et al. Skin gland concentrations adapted to different evolutionary pressures in the head and posterior regions of the caecilian Siphonops annulatus. Scientific reports, v. 8, n. 1, p. 1-7, 2018.


MACIEL, A. O.; HOOGMOED, M. S. Taxonomy and distribution of caecilian amphibians (Gymnophiona) of Brazilian Amazonia, with a key to their identification. Zootaxa, v. 2984, n. 1, p. 1-53, 2011.


MAILHO-FONTANA, P. L. et al. Morphological evidence for an oral venom system in caecilian amphibians. Science, v. 23, n. 7, p. 1-7, 2020.


SAWAYA, A. Sobre as glândulas cutâneas de Siphonops annulatus (Mikan). Boletins da Faculdade de Philosophia, Sciencias e Letras, Universidade de São Paulo. Zoologia, v. 2, n. 2, p. 269-279, 1938.


VITT, L. J.; CALDWELL, J. P. Herpetology: An introdutory biology of amphibians and reptiles. 4 ed. Academic Press. 2014. 757 p.


WILKINSON, M. et al. One hundred million years of skin feeding? Extended parental care in a Neotropical caecilian (Amphibia: Gymnophiona). Biology Letters, v. 4, n. 4, p. 358-361, 2008.

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