Texto: Bryan da Cunha Martins
Xenodon merremii (Wagler, 1824), conhecida popularmente como boipeva, achatadeira, falsa-jararaca (nomes populares podem ser diferentes a depender da região), é uma das espécies de serpentes mais populares do país. Com ampla distribuição geográfica, já foi registrada em praticamente todo o território nacional, com exceção dos estados do Acre, Amazonas, Amapá e Roraima.
Figura 1: Boipeva realizando display de achatamento do corpo. Autoria: Rafael Scherrer Mathielo
Descrição e etimologia
Acho que podemos falar um pouco do contexto histórico que envolve essa espécie, não é? A espécie foi descrita originalmente pelo herpetólogo alemão Johann Georg Wagler em 1824 sob o nome Ophis merremii. Ophis do grego, significa “serpente”, enquanto que Merrem é uma homenagem ao naturalista, também alemão, Blasius Merrem. Desde a descrição original da espécie, boipeva já foi chamada por alguns outros nomes, como Waglerophis merremii (em homenagem à Johann Georg Wagler), até chegar no nome atual, Xenodon merremii.
Já sabemos o significado de merremii, mas e quanto à Xenodon? Estes nomes não são aleatórios. Podem parecer um pouco estranhos à primeira vista, mas sempre existe uma justificativa por trás, quer seja uma homenagem a alguém, a algum lugar, ou uma característica do animal. Xenodon vem do grego xénos que significa estranho e odóntos que significa dente. Sendo assim, o significado seria algo como “dente estranho”. Falaremos disso mais à frente!
Até aqui falamos apenas da questão científica da coisa! Mas e quanto ao nome popular “boipeva”? Será que também tem relação com alguma coisa? Acho que não seria diferente! A palavra boipeva deriva de mboi, que da língua Tupi significa cobra e peva, também do tupi, que quer dizer achatado, plano (Figura 1). Também falaremos disso mais à frente!
Mudanças no nome
Alguém deve estar se perguntando: “mas por que as espécies ficam mudando de nome?”. Esta é uma dúvida que pode ser bastante corriqueira, mas a explicação é simples. Com o passar dos anos, novas ferramentas de estudos são criadas e com isso, novos estudos são feitos com as espécies. Muitas vezes, por conta destas técnicas mais aprimoradas, é constatado que uma espécie que se acreditava ser “X”, na verdade é “Y”. Desta forma, uma redescrição se faz necessária a fim de enquadrar corretamente a espécie. Vale ressaltar que isso não significa que as descrições originais sejam se má qualidade, significa que as tecnologias da época eram limitadas, logo, limitavam os estudos.
Biologia da espécie
Agora que já sabemos quem é a boipeva, que tal aprofundarmos um pouco na biologia da espécie? Saber que ela é peçonhenta, o que come, onde habita. Gostou? Fique por aqui que ainda temos muito a conversar!
Xenodon merremii é uma espécie de pequeno porte (podendo atingir 1,30m) da família Disparidade com possui atividade diurna e hábitos terrestres associados a áreas alagadas, onde existe maior disponibilidade de sua presa favorita: os anfíbios. Ovípara, põe de 4 a 40 ovos por ciclo reprodutivo. A cópula ocorre nos meses mais frios e a eclosão no verão. É uma serpente com alto grau de polimorfismo. Isso significa que a mesma espécie pode apresentar uma série de padrões de coloração, passando por tons de cinza, alaranjado, e mais comumente marrom. Pode apresentar, também, manchas dorsais semelhantes às de algumas jararacas. Por isso o não é raro a chamarem popularmente de falsa-jararaca.
Sua dentição é áglifa (que não possui dentes especializados para inocular peçonha), logo, ela não é peçonhenta e não oferece risco para nós. No entanto, possui um dente modificado na parte posterior da boca, de tamanho maior que os demais (lembra do dente estranho, comentado acima?). Acredita-se que essa modificação facilita alimentação baseada em anfíbios. Anfíbios, ao serem capturados, podem inflar o pulmão para dificultar a predação. Neste caso, o dente age como uma agulha, furando o pulmão do anfíbio e impossibilitando que o mesmo infle, facilitando a predação. Vale ressaltar que outras espécies que não possuem este dente, também se alimentam de anfíbios.
Apesar de não ser peçonhenta, essa espécie pode desferir botes de ataque com a intenção de espantar possíveis predadores. Também possui a capacidade de achatar o corpo dorsoventralmente para parecer maior. Essa característica acabou por originar o nome boipeva.
REFERÊNCIAS
Cohen, G. J; Paredero, R. C. B.; Kanasiro, A.; Sugihara, V. S. Herpetofauna da Cueta Paulista: guia de campo. 2020. Anolis books: São Paulo. 1 ed, 348pp.
Costa, H. C. 200?. Boipeva-de-Marrem. Museu de Zoologia João Moojen. Disponivel el <http://www.museudezoologia.ufv.br/bichodavez/edicao16.htm>. Acesso em 04 Jul. 2021.
Costa, H. C.; Bérnils, R. S. 2018. Répteis do Brasil e suas unidades federativas: lista de espécies. Herpetologia Brasileira. 7: 51.
Uetz, P. 20-?. Xenodon merremii. The Reptile Database. Disponível em <https://reptile-database.reptarium.cz/species.php?genus=Xenodon&species=merremii>. Acesso em 04 Jul. 2021.