Redação: Thais Santos Nascimento
Revisão: Nathana Bressan
Ao contrário dos anfíbios, que possuem uma estrutura auditiva complexa incluindo um ouvido externo, os répteis têm uma audição muito mais simples. No caso das serpentes, essa simplicidade é ainda mais evidente já que sua estrutura auditiva interna é bem menos desenvolvida. Mas não se engane, elas não são totalmente surdas. A audição das serpentes ocorre principalmente por meio de vibrações, captadas através dos ossos quadrado e columela, ambos conectados ao maxilar (Figura 1).
Por muito tempo, acreditou-se que as serpentes eram capazes de "ouvir" apenas vibrações físicas vindas do solo, como passos pesados ou tremores. Porém, um estudo recente liderado por Christina N. Zdenek e colaboradores, revelou que a audição das serpentes é mais complexa do que imaginávamos. O estudo buscou entender como elas reagem aos estímulos sonoros vindos tanto do solo quanto do ar, analisando o comportamento de diferentes espécies (Zdenek et al., 2023).
Figura 1: Crânio de uma serpente. Destacado em vermelho o osso quadrado; e em verde o osso columela. Fonte: Rocha-Barbosa, 2006. Editado por Thais Santos Nascimento.
Os pesquisadores conduziram experimentos controlados com 19 serpentes australianas dos gêneros Acanthophis, Aspidites, Hoplocephalus, Oxyuranus e Pseudonaja, todos da família Elapidae (Figura 2). As espécies foram selecionadas pela diversidade de formatos corporais e hábitos, incluindo serpentes forrageadoras ativas, espreitadoras, arborícolas e até constritoras. Os experimentos foram realizados em uma sala grande à prova de som, com seis alto-falantes distribuídos ao redor da gaiola da serpente, posicionada no centro da sala (Figura 3). Através desses alto-falantes, foram tocados três tipos de áudio com faixas de frequência específicas: de 1 a 150Hz, de 150 a 300 Hz e de 300 a 500 Hz a fim de testar a capacidade auditiva das espécies (Zdenek et al., 2023).
Figura 2: Espécies utilizadas no estudo: A - Acanthophis antarcticus, B - Acanthophis rugosus, C - Aspidites ramsayi, D - Hoplocephalus bitorquatus, E - Oxyuranus scutellatus, F - Pseudonaja affinis e G - Pseudonaja textilis. Fonte: Uetz, Hellermann. Hosek, 2024.
Os resultados mostraram que, embora as serpentes sejam mais sensíveis às vibrações do solo, elas também reagem a certos sons transmitidos pelo ar. Essas respostas variaram conforme a frequência sonora e o gênero, onde, enquanto algumas serpentes, como a Aspidites ramsayi, demonstraram curiosidade ao som, outras, como as do gênero Acanthophis, Oxyuranus e Pseudonaja, mostraram comportamentos de evitação (Zdenek et al., 2023). Essas descobertas indicam que, de fato, as serpentes conseguem perceber vibrações sonoras transmitidas pelo ar, embora em uma faixa muito mais baixa (0 - 450 HZ) que a audição humana, que vai de 20 a 20.000 Hz.
Figura 3: Esquema da sala à prova de som utilizado para o estudo. Fonte: Zdenek et al., 2023. Adaptado/Traduzido por Thais Santos Nascimento.
Esse estudo não apenas nos dá uma nova perspectiva sobre o que sabemos das serpentes, mas também abre espaço para novas questões: será que cada espécie responde a sons de maneiras diferentes? Poderiam as vibrações sonoras servir como uma forma de comunicação entre serpentes? Através desses e de outros questionamentos é possível compreender melhor o comportamento das serpentes e como elas interagem com o ambiente.
Referências
ROCHA-BARBOSA, O. Crânio de Serpente. Fundação CECIERJ / UERJ, 2006. Disponível em: https://canal.cecierj.edu.br/recurso/1340
UETZ, P., HELLERMANN, J.; HOŠEK, J. The Reptile Database. Zoological Museum Hamburg, 2024. Disponível em: https://reptile-database.reptarium.cz/
ZDENEK, CN; STAPLES, T.; HAY, C.; BOURKE, LN.; CANDUSSO, D. Sound garden: How snakes respond to airborne and groundborne sounds. PLoS ONE 18 (2): e0281285, 2023. Disponível: https://doi.org/ 10.1371/journal.pone.0281285
Comments